quinta-feira, 21 de junho de 2018

Django Livre


O filme de Quentin Tarantino conta a história do escravo Django (Jamie Foxx), que é comprado pelo caçador de recompensas Dr. King Schultz (Christoph Waltz) por conhecer os irmãos Brittle procurados pela justiça. Django é alforriado, e se une a Schultz no trabalho como caçador de recompensas, pois busca encontrar sua amada que foi comprada pelo mercador de escravos Calvin Candie (Leonardo Di Caprio).

O filme também apresenta algumas características da sociedade do sul dos Estados Unidos frente a escravidão, como por exemplo o choque da população ao ver um negro montado em um cavalo e usando bons trajes. Assim como a segregação espacial que ocorria entre os escravizados, pois havia aqueles destinados às tarefas domésticas, outros destinados ao trabalho no campo, e até mesmo as lutas envolvendo escravos e apostas. Também há o personagem Stephen (Samuel L. Jackson), que retrata o escravo "domado", aquele que é devoto ao seu dono. Jackson negros capachos dos brancos e os negros traficantes de escravos. Django tem que fazer o papel do segundo e Stephen é o primeiro.
As teorias raciais do século XIX também estão presentes no longa, como por exemplo no trecho em que o mercador de escravos Calvin Candie utiliza um crânio para apontar supostas diferenças cerebrais entre as raças. Segundo ele, a frenologia teria comprovado que a estrutura do crânio africano está ligada a submissão, enquanto do branco à criatividade, e devido a isso os negros eram submissos perante a escravidão.
Dessa forma, Tarantino buscou reescrever esse momento histórico, de forma a conceder a Django o papel de vingador, imerso no contesto do faroeste.


Paris is Burning: noção de performatividade de gênero e resistência

Sinopse: O documentário Paris is Burning (1990) expõe a vida de drag queens de classe baixa de Nova York  enquanto são entrevistadas e observadas se preparando para competir em um concurso de performances artísticas, mostrando as pessoas, as roupas, o ambiente e seus preparativos. 






Paris is Burning é o perfeito retrato de uma cultura em um local e época específicos. O documentário de 1990, dirigido por Jennie Livingston, foi filmado entre 1985 e 1989 nos bailes queer do Harlem, em Nova York. Seus protagonistas são os participantes deles, majoritariamente compostos por homens gays e mulheres trans, negros e latinos.

O filme possibilita a reflexão sobre as exclusões sistêmicas de cunho étnico-racial e de classe a que seus personagens são submetidos. Sonhando com riqueza, aceitação e uma vida melhor, eles competem em desfiles de drag em categorias como “empresário”, “estudante universitário”, “magnata do campo”, entre outras, mostrando que se ainda não ocupavam esses espaços, pelo menos poderiam se mostrar capazes de imitar a aparência que os caracteriza. É a aí que surge o conceito de realness, que é vinculado à possibilidade de cada um e cada uma dentro das categorias escolhidas. Com cortes que mostram os competidores e as pessoas de classe média andando pela cidade, o filme trata de estabelecer que todos igualmente montam um personagem.







Outra competição existente é de vogue, em que dois rivais se enfrentam em uma dança que emula as poses encontradas nos ensaios da famosa revista. Até o final das filmagens o vogue já havia se tornado mainstream e sido absorvido pelo mercado fonográfico. Pouco depois do lançamento do documentário, Madonna lança uma música com esse mesmo nome.

Uma palinha para entender um pouco mais sobre o estilo de dança voguing:





Os competidores são divididos em casas com uma matriarca. A estrutura funciona como a de uma família e fornece uma rede de apoio e uma identidade para cada um. De certa forma eles substituem pela cena LGBT o contato e o carinho familiar que geralmente deixam de ter quando saem do armário. Os personagens são incrivelmente carismáticos em seus relatos de vida e na abordagem de seus sonhos. Apesar de todos os problemas no mundo exterior, no baile eles brilham e são estrelas. É triste pensar que não muitos anos depois muitos deles já não estariam vivos, em virtude especialmente do HIV/AIDS, que roubou uma geração de jovens criativos e com espírito artístico.





Se você gosta de RuPaul Drag’s Race, vai perceber que foi nesse contexto que foram criadas muitas das gírias e expressões que agora, graças ao programa e sua apresentadora, chegaram ao mainstream. A assimilação contemporânea também tem a ver com o declínio da cena no começo dos anos 1990. No filme, a câmera não é invasiva e parece mergulhar quase despercebida em seu universo, capturando reflexões, desabafos, mas também força e alegria. Paris is Burning é um documentário interessante e apaixonante como seus protagonistas.


O Nascimento de uma Nação: o outro lado da história 100 anos depois

Sinopse: O Nascimento de uma Nação conta a história de Nat Turner, que liderou uma rebelião dos escravos – tornando-se um dos atos mais influentes de resistência contra a escravidão nos Estados Unidos e que até hoje nunca havia sido contada. O longa mostra uma nova perspectiva sobre sua luta contra os donos de escravos em 1831 e oferece um retrato abrangente e humana do homem por trás da rebelião – homem movido pela fé e confiança.






O Nascimento de uma Nação é uma história de vingança que começa nos bastidores. Em 1915,O Nascimento de uma Nação, filme de D.W. Griffith, fez um estrondoso sucesso, acompanhando o conflito de duas famílias de ideais opostos durante a Guerra de Secessão (1861-1865), nos Estados Unidos. 

O filme foi um enorme sucesso comercial, mas foi altamente criticado por retratar os afro-americanos (interpretados por atores brancos com as caras pintadas de negro) como ininteligentes e sexualmente agressivos em relação às mulheres brancas, e também por apresentar a Ku Klux Klan (cuja fundação original é dramatizada) como uma força heroica. 

Os protestos contra O Nascimento de uma Nação foram generalizados e o filme acabou sendo banido de várias cidades. A queixa de que se tratava de um filme racista foi tão grande que inspirou D. W. Griffith a produzir Intolerância no ano seguinte.






Longa-metragem de estreia como diretor do ator Nate Parker, O Nascimento de uma Nação (2016) relata a história quase esquecida de Nat Turner, um escravo negro que liderou uma insurreição em 1831. Assim, é perfeita a apropriação de Parker desse título, realizando através da lembrança desse momento tão espinhoso quase que uma correção histórica.


Daí ser muito emblemático que o cineasta negro Nate Parker batize seu filme sobre uma revolta de escravos na primeira metade do século XIX com o mesmo título usado por Griffith, como que forçando a lembrança da abominável mensagem contida no clássico de 1915. Mas o novo O Nascimento de uma Nação é uma declaração política fortíssima que vai além do simbolismo dessa escolha. 





Nate Parker não tem qualquer intenção de alcançar a importância estética do filme de Griffith, realizado num momento em que a linguagem do cinema narrativa ainda começava a se desenvolver. O diretor finca os pés mesmo na declaração política, e, nesse sentido, sua busca altamente pretensiosa pela analogia com um cânone é mais que justificável. 

Parker promove um movimento de desconstrução da história oficial americana e de reconstrução de uma nova versão dela, calcada na violência absoluta contra grupos minoritários e na luta desses grupos, por vezes também violenta, pela liberdade. 

O Nascimento de uma Nação se coloca, nesse sentido, ao lado de ao menos duas outras grandes obras que realizaram esforços semelhantes: O Portal do Paraíso (1980), de Michael Cimino, e Gangues de Nova York (2003), de Martin Scorsese. Não é gratuita, portanto, a referência de Parker, num momento em que opressores e oprimidos finalmente se enfrentam, a uma cena emblemática do poderoso filme de Scorsese.








Confira na integra o trailer:








Mississippi Godmamn: Nina Simone e seu ativismo da causa negra

Nina Simone foi uma das cantoras de maior presença no movimento negro norte-americano. Esta música se tornou um hino da causa e trata sobre o assassinato de quatro crianças negras numa igreja de Birmingham, no estado do Alabama, em 1963. Tornou-se uma referência ativista da causa negra. Simone participou ativamente de um momento considerado decisivo para a comunidade negra e continuou dedicando toda a sua produção musical para o assunto.



“É uma obrigação artística refletir o meu tempo.”

O movimento dos direitos civis é um dos momentos mais importantes da história dos Estados Unidos, concentrado principalmente em estados do sul do país, os fatos ocorreram entre 1954 e 1968 e foram uma forma de resistência da comunidade negra que exigia o fim da segregação racial imposta por supremacistas brancos. O objetivo era questionar e boicotar decisões claramente racistas, como as proibições sociais cotidianas impostas aos negros e os direitos cedidos apenas às pessoas brancas o que, na visão dos estrategistas do movimento, provocaria uma crise e consequentemente um diálogo com as autoridades.


O sucesso da cantora crescia em compasso com os conflitos raciais. Muitos foram os estopins para a fúria dos negros, sendo o massacre de 1963 um dos mais marcantes, quando quatro crianças negras foram mortas em um atentado racista em uma igreja batista na cidade de Birmingham, no Alabama, logo após o assassinato do ativista Medgar Ever no Mississippi. Os fatos despertaram um sentimento novo em Simone, que percebeu o significado de ser negra nos Estados Unidos. Um momento crucial para a carreia da cantora, que resolveu transformar sua arte em política, se tornando um símbolo de expressão dos direitos civis e da luta do movimento negro.






Ao perceber o que era ser negra nos EUA, Simone decidiu se tornar
uma ativista dos direitos civis.

O primeiro e duro recado da artista para as injustiças do país veio com ‘Mississippi Goddam’ (Mississippi puta que o pariu na tradução livre), que expressa toda sua raiva e indignação acerca da situação dos homens e mulheres negros dos EUA. A faixa era um hino político e suas letras cheias de raiva e desespero contrastavam com o conhecido repertório da artista e deixavam claro o objetivo de Simone de usar sua música como mais um instrumento em favor dos direitos civis.


O movimento dos direitos civis deixou feridas profundas na sociedade norte-americana ao mesmo tempo que inspirou e inspira jovens dispostos até hoje a mudar a realidade de homens e mulheres negros. Tal como antes, as artes e especialmente a música vem exercendo papel fundamental nas mudanças. Nomes como Erykah Badu, Lauryn Hill e muitos outros beberam na fonte e seguiram os corajosos passos de Nina Simone em busca de uma sociedade que precisa aprender de uma vez por todas a conviver com as diferenças. Nina Simone faleceu em 2003 deixando um legado ímpar para o mundo da arte e emblemático para a luta pelos direitos civis e igualdade racial.


Confira abaixo a música:


Pantera Negra: A Importância do 1º Super Herói Negro

Sinopse: Após a morte do rei T'Chaka (John Kani), o príncipe T'Challa (Chadwick Boseman) retorna a Wakanda para a cerimônia de coroação. Nela são reunidas as cinco tribos que compõem o reino, sendo que uma delas, os Jabari, não apoia o atual governo. T'Challa logo recebe o apoio de Okoye (Danai Gurira), a chefe da guarda de Wakanda, da irmã Shuri (Letitia Wright), que coordena a área tecnológica do reino, e também de Nakia (Lupita Nyong'o), a grande paixão do atual Pantera Negra, que não quer se tornar rainha. Juntos, eles estão à procura de Ulysses Klaue (Andy Serkis), que roubou de Wakanda um punhado de vibranium, alguns anos atrás.







Ryan Coogler apresenta uma aventura sólida, com momentos divertidos mas acima de tudo, Pantera Negra é um filme sobre trilhar novos caminhos. T’Challa pagará um preço alto pelos erros dos monarcas passados e dele próprio, de manter uma política isolacionista e não se envolver com os assuntos externos, se recusando a compartilhar seus maiores bens com o mundo. Wakanda é de tirar o fôlego, fazendo jus à versão dos quadrinhos de uma sociedade mais alienígena do que humana de tão avançada, mas ainda atada às tradições africanas que lhe dão uma forte identidade.

Os personagens são excelentes, as cenas de ação são muito boas e o vilão rivaliza com o Abutre, não sendo bidimensional e com uma série de nuances que o fazem entendê-lo e até simpatizar com ele. No fim Pantera Negra é o melhor filme do MCU, uma história sobre corrigir erros do passado e seguir rumo a um futuro grandioso. Quer dizer, pelo menos até Thanos bater na porta da Terra em Os Vingadores: Guerra Infinita.




A História dos Quadrinhos









O Pantera Negra foi criado pela poderosa dupla Stan Lee e Jack Kirby, a mesma dupla responsável por vários outros clássicos da Marvel. Inicialmente, Kirby apelidou o personagem de Tigre de Carvão e desenhou um traje bem diferente do que conhecemos atualmente. Mas Lee sempre foi um artista interessando nas tendências culturais da época e decidiu mudar o nome do herói para Pantera Negra, anunciando oficialmente sua chegada em 1966. O Partido dos Panteras Negras só entrou em cena mais tarde naquele ano, mas alguns especulam que a mudança de nomes foi inspirado no logotipo usado pela organização que precedeu os Panteras. Seja qual for a verdade, o Pantera Negra nasceu.




Outra história, nomeada Jungle Action, colocou o Pantera Negra contra a Klu Klux Klan. Obviamente, foi um tópico surpreendente e intenso para um quadrinho publicado em 1976, mas novamente, o herói empurrou os limites da indústria. E foi histórias como esta, e aceitação do Pantera no universo dos quadrinhos tradicionais, que abriu portas para outros personagens negros chegarem no universo, como Falcão, Luke Cage e Blade.


Pantera Negra é um bom exemplo de que o gênero dos super-heróis no cinema ainda tem muito potencial e não precisa se limitar a fórmulas e conceitos gastos ou até ultrapassados.









quarta-feira, 20 de junho de 2018

Os erros históricos no cinema



Certas representações cinematográficas estão carregadas de conotações politicas, culturais e ideológicas, assim como erros históricos. Embora seja difícil a fidelidade total na reconstrução de um período é necessária a fuga do equivoco, para que não sejam atribuídos fatos incorretos a determinado período ou acontecimento.  Os filmes O Patriota (2000) e JFK: A Pergunta que não quer calar (1991) apresentam diversos equívocos, listados abaixo: 

O Patriota (2000)


Sinopse: Benjamin Martin (Mel Gibson) é o herói de um violento conflito. Desde o término da guerra ele renunciou a luta, vivendo em paz com sua família. Quando os ingleses levam a guerra da independência americana para dentro de sua casa, Benjamin não vê outra saída a não ser pegar nas armas novamente, desta vez acompanhado por seu filho idealista (Heath Ledger), e liderar uma brava rebelião em uma batalha contra o implacável e equipado exército britânico. Neste processo ele descobre que o único meio de proteger sua família é lutando pela liberdade da nação.

Erros Históricos:
  • O soldado Francis Marion inspirou o personagem Benjamin Martin. Mas ele não era um homem de família como mostra o filme. Ele foi um proprietário de escravos que só se casou ao final da guerra. Historiadores também dizem que Francis Marion violentava escravas, além de perseguir e matar índios Cherokee.
  • O filme mostra a vitória dos revolucionários sobre os britânicos, na Batalha de Guilford Court House. Na verdade, os britânicos saíram vitoriosos desta batalha.
  • Outro ponto é a forma como o filme exercita o egocentrismo norte americano, pois os ingleses foram retratados como vilões, enquanto os americanos, sobretudo o protagonista, como heróis que lutaram por um causa nobre.



    JFK: A Pergunta que não quer calar


    Sinopse: O promotor de Nova Orleans Jim Garrison (Kevin Costner) não está convencido do parecer final da Comissão Warren, que determinou que o Presidente John F. Kennedy foi assassinado por uma única pessoa. Para provar que a comissão estava errada, o advogado resolve investigar a existência de uma conspiração responsável pela morte do político.

    Erros Históricos:
    • No filme, David Ferrie admite ter participado de uma conspiração com o objetivo de matar Kennedy. Na vida real, ele negou a participação e inclusive se voluntariou a passar por um detector de mentiras.
    • O filme também se omitiu no fato de a principal testemunha de Garrison ter sido trazida através do uso de drogas e hipnose.
    • O filme afirma que o FBI, a CIA e até o exército americano estavam por trás de uma conspiração tramando a morte do presidente para que ele não acabasse com a guerra do Vietnã. Não há documentos que comprovem o fato.